Em 06.09.2021 foi publicada a Medida Provisória nº 1.068/2021, editada pelo presidente da República, que altera o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14) e a Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998) para dispor sobre o uso das redes sociais.
Em relação ao Marco Civil da Internet a MP:
- inclui no seu objeto de disciplina as definições de “redes sociais” e a “moderação em redes sociais”, deixando de enquadrar como redes sociais as aplicações de internet que se destinam à troca de mensagens instantâneas e às chamadas de voz (ex: o WhatsApp), assim como aquelas que tenham como principal finalidade a viabilização do comércio de bens ou serviços;
- disciplina sobre os direitos e garantias dos usuários das redes sociais assegurando, em síntese:
- acesso a informações sobre quaisquer políticas, procedimentos, medidas e instrumentos utilizados para fins de eventual moderação ou limitação do alcance da divulgação de conteúdo gerado pelo usuário;
- contraditório, ampla defesa e recurso nas hipóteses de moderação de conteúdo;
- restituição do conteúdo disponibilizado pelo usuário, em particular de dados pessoais, textos, imagens, dentre outros, quando houver requerimento;
- restabelecimento da conta, do perfil ou do conteúdo no mesmo estado em que se encontrava, na hipótese de moderação indevida pelo provedor de redes sociais;
- não exclusão, suspensão ou bloqueio da divulgação de conteúdo gerado pelo usuário, exceto por justa causa;
- proíbe os provedores de redes sociais de adotarem critérios de moderação ou limitação do alcance da divulgação de conteúdo que impliquem censura de ordem política, ideológica, científica, artística ou religiosa, exceto por justa causa, bem como estabelece a necessidade de demonstração de motivação em caso de moderação (de conta/perfil do usuário ou conteúdo) nos termos disciplinados na MP e sanções em casos de infração dos provedores de redes sociais;
Cumpre esclarecer que as hipóteses da referida “justa causa” para moderação (exclusão, cancelamento, suspensão total ou parcial) da conta ou do perfil de usuário precisam ser motivadas e são taxativas, ou seja, se refere apenas às situações de:
- inadimplemento do usuário;
- contas criadas com o propósito de assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público;
- contas preponderantemente geridas por programa de computador ou tecnologia para simular ou substituir atividades humanas;
- prática reiterada das condutas enquadradas como conteúdos que ensejam a moderação por justa causa;
- contas que ofertem produtos ou serviços que violem patente, marca registrada, direito autoral ou outros direitos de propriedade intelectual; e
- cumprimento de determinação judicial.
As hipóteses de “justa causa” que permite a moderação (exclusão, a suspensão ou o bloqueio da divulgação) de conteúdo gerado por usuário também requerem motivação e são taxativas, se limitando às seguintes situações:
- quando o conteúdo publicado pelo usuário estiver em desacordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente;
- quando a divulgação ou a reprodução configurar as situações de ato, prática, promoção, apoio, incitação ou ensino de:
- nudez ou representações explícitas ou implícitas de atos sexuais;
- crimes contra a vida, pedofilia, terrorismo, tráfico ou quaisquer outras infrações penais sujeitas à ação penal pública incondicionada;
- ajuda a organizações criminosas ou terroristas;
- ameaça ou violência, inclusive por razões de discriminação ou preconceito de raça, cor, sexo, etnia, religião ou orientação sexual;
- apologia à fabricação ou ao consumo, explícito ou implícito, de drogas ilícitas;
- violência contra animais;
- uso de computadores ou tecnologias com o objetivo de roubar credenciais, invadir sistemas, comprometer dados pessoais ou causar danos a terceiros;
- contra a segurança pública, defesa nacional ou segurança do Estado;
- violação de patente, marca registrada, direito autoral ou outros direitos de propriedade intelectual;
- infração às normas editadas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária referentes a conteúdo ou material publicitário ou propagandístico;
- disseminação de vírus de software ou qualquer outro código de computador, arquivo ou programa projetado para interromper, destruir ou limitar a funcionalidade de qualquer recurso de computador; e
- comercialização de produtos impróprios ao consumo, nos termos da lei.
- requerimento do ofendido, de seu representante legal ou de seus herdeiros, na hipótese de violação à intimidade, à privacidade, à imagem, à honra, à proteção de seus dados pessoais ou à propriedade intelectual;
- cumprimento de determinação judicial.
Sobre as alterações da MP na Lei de Direitos Autorais, a Medida impõe as mesmas restrições para a moderação de conteúdo pelos provedores de redes sociais e possibilita ao titular de conteúdo protegido por direitos autorais, que teve o seu conteúdo indisponibilizado sem se enquadrar nas hipóteses de “justa causa” previstas, requerer a aplicação de penalidades, o restabelecimento do conteúdo e indenização.
Por fim, estabelece o prazo de 30 dias para os provedores de redes sociais adequarem suas políticas e seus termos de uso às alterações trazidas pela MP.
As hipóteses de “justa causa”, ou seja, que permitem a moderação dos provedores de redes sociais de maneira célere, são limitadas e insuficientes para o enfretamento de diversos problemas nas redes sociais, como o combate à desinformação/fake news.
Ainda, em relação aos direitos de propriedade intelectual eventualmente violados, apesar de se enquadrarem nas hipóteses de “justa causa”, suas denúncias através dos canais específicos nas redes sociais tenderão a deixar de levar a moderação pelas redes, devido à possibilidade de sofrerem sanções por eventual julgamento equivocado, ou seja, provavelmente as plataformas irão aguardar as decisões judiciais para adotarem medidas de exclusão, suspensão, bloqueio ou cancelamento de conta ou conteúdo.
Devido ao impacto e relevância dos pontos abordados, bem como à falta de debate sobre os referidos temas, a MP repercute negativamente no aprimoramento de normativos sobre as obrigações e responsabilidades dos provedores de internet, bem como sobre os direitos dos usuários, dificultando o enfretamento de diversos problemas nas redes sociais que não foram incluídos nas hipóteses que permitem a moderação desses provedores.
Até o momento, o Supremo Tribunal Federal recebeu cinco ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs 6991, 6992, 6993, 6994 e 6995) contra a MP, sustentando, entre outros pontos, a existência de inconstitucionalidade formal por ausência de demonstração de urgência e relevância, bem como por não se ater aos limites materiais aplicáveis à edição de medidas provisória, tendo em vista que ao regular o exercício da liberdade de expressão no contexto da internet afeta um direito fundamental individual, considerando um elemento indissociável e indispensável da cidadania.
Apesar da Medida Provisória ter efeitos jurídicos imediatos, ela precisa ser aprovada, em até 60 dias, prorrogável por igual período, na Câmara e no Senado para se tornar efetivamente uma lei ordinária. Caso não seja, a MP caducará e as alterações que promove deixarão de existir.